03/07/2021

O futuro será DSLM?


Muita discussão acontece em torno do futuro das câmeras digitais. Não apenas as de uso amador, como as profissionais. No primeiro segmento, há realmente uma nítida tendência ao desaparecimento. Muitos fabricantes tradicionais estão enxugando o número de modelos ou mesmo saindo do mercado. A explicação é óbvia: os celulares estão dominando esse mercado, faz alguns anos. A cada novo lançamento, principalmente nas linhas premium, os telefones têm vindo equipados com câmeras realmente muito boas. Inclusive com recursos de controle parcialmente manuais que agradam aos fotógrafos profissionais. A qualidade da imagem é indiscutível. E muitos fotógrafos renomados se dedicam a realizar trabalhos profissionais com eles.

No segmento profissional ou dedicado aos entusiastas sérios de fotografia, não houve danos consideráveis. Mas pode se dizer que vem havendo uma influência cada vez maior em produtos mais leves e com menor tamanho. E com recursos de edição na própria câmera, geolocalização e distribuição de conteúdo via redes de dados diretamente para a web. São tendências já estabelecidas porque se encontram disponíveis nos telefones celulares muito antes de aparecerem nas câmeras fotográficas. Essa pressão tem levado ao desenvolvimento avançado de câmeras mirrorless (ou Mirrorless Interchangeable-lens Camera - MILC), que estão ganhando cada vez mais mercado. Essa tecnologia também é conhecida pela sigla DSLM (Digital Single Lens Mirrorless), nomenclatura que será usada neste artigo no lugar da palavra mirroless.

O futuro será DSLM ?

As grandes marcas não tem se importado em perder uma fatia de vendas de seu portfólio de DSLR´s, para seus próprios modelos de câmeras sem visor pentaprismático e espelho móvel, exatamente pela economia de peso, menores dimensões e maior simplicidade de fabricação. A Sony foi pioneira em lançar a primeira câmera full frame sem espelho e atualmente seus modelos A7 III e A9 estão no topo da gama de modelos. A Canon com sua nova full frame EOS R e a Nikon com a linha Z (Z6 e Z7). A Panasonic conta com suas novas Lumix S1 e S1R. A característica principal entre todos os modelos sem o espelho móvel e o pentaprisma é a menor distância entre o flange da lente e o sensor de imagem, resultando em corpos mais finos e leves.

 
Mais que o tamanho e a eliminação de uma boa parte de peças móveis dentro desse tipo de câmera, o barulho característico das DSLR também está com os dias contados. Embora pareça um detalhe irrelevante, muitos usuários vão gostar disso. E para dar mais peso a esse novo segmento, recentemente uma das maiores agências de notícias do mundo, a Associated Press (AP) anunciou uma parceria exclusiva com a Sony. De agora em diante a fabricante japonesa de câmeras será a única fornecedora de câmeras para os fotógrafos da casa. Conforme declarou David Ake, diretor de fotografia da AP, “o que me deixou realmente excitado sobre essa mudança para câmeras mirroless é que agora poderemos trabalhar de forma silenciosa (...) sem aquele som chato do espelho e do obturador atrapalhando a cena”.

Polêmicas à parte, pois eu pessoalmente gosto muito do som característico das câmeras fotográficas SLR, digitais ou analógicas, o fato é que para alguns fabricantes haverá, a partir de agora, essa divisão clara em suas linhas de produção. E embora exista a especulação sobre um futuro desaparecimento das DSLR (e a tecnologia do espelho móvel e visores óticos) os fabricantes não dão sinais que abandonarão o método. Muitos especialistas acreditam que esses modelos jamais deixarão de existir. Assim como as antigas SLR (câmeras com o mesmo princípio de funcionamento, mas que ainda usam filmes fotográficos) estão ensaiando a volta ao mercado. Na verdade nunca saíram, pois muitos fotógrafos ainda conservam cuidadosamente e usam seus modelos anteriores às digitais, fazendo os preços de algumas marcas icônicas usadas subirem ao ponto de se igualarem a algumas de suas primas digitais. A Kodak dobrou sua produção e venda de filmes fotográficos nos últimos cinco anos.

O fim das câmeras DSLR?

Analistas de mercado experientes na área de imagem e vídeo apostam que o mercado de câmeras digitais continuará em retração por mais uma década e poderá até desaparecer. Mas nenhum deles aposta todas as suas fichas nessa última hipótese. Muitos acham que o mercado vai se concentrar em nichos e que por muitas décadas ainda haverá fotógrafos que não abrirão mão das câmeras convencionais. Com certeza grande parte desse mercado será concentrado, nos próximos anos, nas câmeras voltadas ao mercado profissional, mas dentro da tecnologia DSLM (sem espelho).  Como escrevi mais acima, a Associated Press (AP), que detém grande influência no mercado jornalístico, está influenciando essa mudança ao migrar para esse tipo de tecnologia.

As razões dessa mudança não são apenas mera discussão técnica das vantagens ou superioridade de um ou outro formato. As vendas globais de câmeras despencam desde 2010.  De acordo com a CIPA (Camera and Imaging Products Association), as vendas de câmeras digitais atingiu o pico naquele ano, com mais de 121 milhões de unidades vendidas. Em 2019 as vendas encolheram para cerca de 15 milhões de unidades. Com a pandemia o mercado se contraiu ainda mais. E para o ano de 2021 a previsão é que pouco mais de nove milhões de unidades. Dessa forma, todos os fabricantes estão fechando seus balanços fiscais com prejuízos bilionários na área de câmeras fotográficas e vídeo. A Olympus, com mais de 84 anos de mercado anunciou em 2020 que estava se retirando do segmento de imagem e vídeo, passando sua participação para investidores privados. E certamente esses investidores farão mudanças nas estratégias de desenvolvimento de produtos e tecnologias. A Samsung já havia feito o mesmo em 2017, encerrando a produção e vendas dos modelos NX.

O mercado encolheu...

A Nikon, outrora um dos maiores fabricantes de câmeras do mundo, também está diminuindo seus investimentos na área, fechando várias unidades de produção de câmeras e lentes no Japão. A Canon, que detêm 45% do mercado global no segmento de câmeras, também tem reposicionado seu foco de desenvolvimento de produtos.  O restante das vendas está distribuído entre a Sony (com 20%), Nikon (19%), Fujifilm e Panasonic com 4,5% cada uma e os restantes 6% divididos entre vários fabricantes como a Ricoh/Pentax, Leica e outros. Se nos mercados maduros (com facilidades de revendedores oficiais, assistência técnica acessível e menos burocracia e impostos de importação) a Pentax tem uma diminuta parcela desse mercado, aqui no Brasil a marca é praticamente desconhecida. Como no resto do mundo, a Canon também detém a preferência dos consumidores profissionais e amadores sérios. Provavelmente, em seguida estão as outras marcas, com porcentagens de venda semelhantes ao mercado global. Essa preferência se dá pela relativa facilidade do consumidor encontrar pontos de venda e de assistência técnica de determinadas marcas. Embora as reclamações quanto à qualidade, preço de serviços e peças seja comum a todos os demais fabricantes.

Cada um no seu quadrado...

E falando em nichos de mercado, pelo menos, no que depender de um fabricante tradicional e de peso nesse mercado, o futuro das DSLR está garantido. A secular Pentax, fundada em 1919 no Japão (marca agora pertencente à Ricoh Imaging Company Ltd.) tem declarado publicamente não ter interesse em aderir ao segmento DSLM. E realmente não tem motivos para isso. Mesmo havendo mudado de mãos, a empresa continua desfrutando da fama que angariou nesses cem anos de existência. Muitos adeptos da marca hoje são jovens que herdaram câmeras e lentes analógicas de seus pais ou avós. E que herança! Principalmente se for um modelo LX 2000 Edição Limitada, comemorativa do 75º aniversário da marca, que chega valer U$ 4 mil dólares para colecionadores ou o dobro do valor de uma Pentax Fullframe K1-II Silver Edition com produção limitada a cem unidades!

Embora também esteja passando por dificuldades com as vendas e abrindo capital para investidores mais agressivos, a empresa vem apostando na reputação de seus produtos e na produção limitada de poucos modelos no segmento DSLR com sensores APS-C e Full Frame. Com isso tem podido inovar em tecnologia e funcionalidades. Algo que a marca já faz a muitas décadas. Uma das características que talvez mais agrade aos seus consumidores fiéis é o fato da Pentax usar a mesma montagem de lentes (com baioneta K) desde meados da década de 1970. Antes disso a empresa usou a montagem de rosca M-42 (que acabou ficando conhecida como montagem de rosca Pentax) por várias décadas, o que assegurava o uso de outros fabricantes de lentes M-42. Ainda hoje, lentes vintage M-42 são apreciadas por vários fotógrafos e usadas com adaptadores em diversos modelos de câmeras digitais pela versatilidade e quantidade de modelos e marcas disponíveis a um preço bem atraente.

A versatilidade da Pentax...

A baioneta Pentax K (também conhecida como PK-mount) surgiu em 1975 nas Pentax SLR K2, KX e KM. Varias implementações dessa montagem foram surgindo nos anos seguintes. Atualmente a versão KAF2 equipa os modelos com sensor APS-C e Full Frame. Apesar de diversas funcionalidades de conexão eletrônica entre as lentes e o corpo das câmeras terem sido acrescentadas ao longo dos anos, as dimensões físicas não mudaram. Isso permite que todas as lentes analógicas ou digitais produzidas pela marca e por outros fabricantes, com a montagem PK, possam ser utilizadas em qualquer DSLR Pentax. Essa versatilidade fez com que diversos outros fabricantes de câmeras e lentes adotassem o padrão PK Mount. São cerca de vinte marcas de câmeras e mais de setenta fabricantes de lentes usando o sistema. Se houvesse uma iniciativa conjunta de padronizar sistemas de câmeras/lentes, entre vários fabricantes - como foi o caso do sistema Micro 4/3 desenvolvido em conjunto pela Panasonic e Olympus em 2008 – a baioneta K da Pentax poderia ser a melhor candidata a essa unificação.

A Pentax, apesar de deter uma parcela muito pequena do mercado atual de câmeras DSLR, sempre foi pioneira em inovação. Como exemplo, temos o sistema de estabilização de imagem no corpo da câmera. Apesar de ter aparecido pela primeira vez em uma câmera compacta da Minolta em 2003 (modelo DiMAGE A1), foi a Pentax que saiu na frente ao introduzir o sistema em uma DSLR profissional com o modelo K100D. A vantagem desse tipo de estabilização de imagem é tornar qualquer lente, mesmo as antigas analógicas manuais em lentes estabilizadas. Junte-se a isso a versatilidade do bocal PK e se tem um sistema versátil, robusto, econômico e a prova de futuro onde mesmo lentes com outras montagens podem ser utilizadas – apesar de algumas limitações – com o emprego de anéis adaptadores.

Consumidores mais focados e fidelizados...

Quando se tenta prever o futuro da fotografia e os rumos que o mercado de equipamentos tomará, é preciso apreciar tudo com uma boa dose de precaução. Nenhuma tecnologia nova mata completamente a anterior. O cinema não matou o teatro e nem o circo. O rádio não substituiu os jornais impressos. A televisão, o videocassete, o DVD, o Youtube e a Netflix não tornou obsoletos a Tv e o rádio, assim como o CD, o streaming de músicas e as lives não acabaram com os LP´s e os grandes espetáculos ao vivo. E os livros digitais jamais conseguirão extinguir as publicações em papel. Entre todas essas tecnologias audiovisuais que surgem com promessas revolucionárias, há um fator comum. A cultura. E essa é transmitida entre gerações moldando gostos pessoais e tendências.

Quando muito conseguem criar novas possibilidades e modismos, que podem ser ou não passageiros. Nichos de mercado surgem se solidificam ou desparecem. Vejo isso como um movimento positivo e salutar. Mais opções de escolha para os usuários, geralmente moldadas mais pela praticidade e agregação de funcionalidades que acabam tornando certas tarefas mais simples e rápidas. Mas somente isso não determina a substituição de uma pela outra. Na fotografia profissional, seja no jornalismo televisivo ou impresso (seja em papel ou páginas na internet) o celular se consolida como ferramenta de aquisição de imagens estáticas, vídeos e áudio pela praticidade, economia de custos e rapidez de produção de conteúdos. Para o cidadão comum ele também se torna ferramenta de distribuição de conteúdo nas redes sociais. Mesmo os fotógrafos amadores sérios tem preferido, pelo menos em alguma parte do tempo, deixar em casa suas câmeras e lentes mais caras e pesadas, pela facilidade de ter no bolso um meio de captura de cenas do cotidiano mais simples e discreto.

Na sociedade hiperconectada todos tem pressa. Tanto quem produz, como quem consome. Sejam bens, serviços ou informação. E o tempo se torna cada vez mais escasso. E a máxima de que tempo é dinheiro continua valendo. Paradoxalmente, a mesma sociedade que se encanta com a novidade, hoje se preocupa mais com o consumo sustentável e com a conta no banco. As prioridades vão mudando, mesmo que de forma imperceptível. Assim como é muito provável que não veremos tão cedo o fim das câmeras digitais, como as conhecemos hoje, é certo também que o comportamento do consumidor desse produto vai passar por mudanças. Seja o chamado “amador sério” que no passado investia em equipamentos profissionais para aprimorar sua técnica ou por gosto por novas tecnologias, seja o fotógrafo ou cinegrafista profissional que necessitava investir parte do que ganhava em refinamento ou atualização de seus equipamentos, todos eles mudarão seu padrão de gastos e investimentos.

Tradições e gostos nunca morrem...

Com certeza aparelhos celulares cada vez mais avançados e especializados em fotografia e vídeo farão parte do arsenal desses usuários. Como consequência, o investimento em inovação das câmeras convencionais – que hoje já atingiram um nível de definição muito superior ao necessário, em termos da qualidade de imagem, requisitada pelas diversas finalidades de uso de mídia – deve migrar para celulares, tablets e notebooks. Entre os fabricantes que conseguirem sobreviver nesse mercado de câmeras DSLR ou DSLM em encolhimento, a tendência será focar em nichos orientados por características específicas, tradição de conceitos e admiração por determinadas marcas. Assim haverá os fotógrafos que ainda continuarão – ou mesmo retornarão – ao uso de filmes convencionais, os apreciadores das DSLR com seus visores prismáticos, os que tem preferencia pelas silenciosas e compactas DSLM sem espelho e com visores LCD ou OLED, os amantes da fotografia em preto e branco (com equipamentos com sensores que só captam tons de cinza) e por aí à diante. A pressão pela produção industrial não poluente e focada no reuso e sustentabilidade também dará o tom dessas essas mudanças. Afinal os bons produtos que restarem nesse mercado tenderão a seguir a tradição da excelência da ótica fotográfica, onde algumas câmeras e principalmente lentes com mais de 50 anos de existência ainda tem grande valor de mercado, não importando serem modelos usados ou novos, fabricados com fórmulas óticas consagradas pelo tempo.

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Marcelo Ruiz

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