17/05/2023

 

No final de 2022 a fabricante de equipamentos fotográfica japonesa Pentax, anunciou que estava trabalhando em um novo projeto: a criação de uma câmera fotográfica analógica (filme fotográfico). E o objetivo do grupo de trabalho seria também de buscar parcerias para desenvolver todo o ecossistema necessário ao apoio da fotografia química.  A notícia tem causado alvoroço entre os amantes da fotografia e principalmente nos fiéis consumidores da marca (e eu sou um deles).

O engenheiro responsável pelo projeto, o Sr. Takeo Suzuki (TKO) já postou dois vídeos sobre as atividades do grupo. Ele tem ressaltado não apenas os objetivos, mas principalmente as dificuldades que ele e a equipe estão encontrando no projeto. Ele destaca a falta de pessoal com expertise no assunto, já que todos os engenheiros e técnicos da Pentax, que conheciam as tecnologias necessárias, já se aposentaram ou faleceram. As dificuldades vão desde o entendimento dos mecanismos de avanço dos filmes, passando por obturadores e controle de velocidade. E isso porque eles tem como meta, em um primeiro momento, lançarem uma câmera de entrada, tipo point-and-shot, com lente fixa e que tenha um preço de venda acessível, principalmente para jovens iniciantes.

Assistindo aos vídeos do Sr. Takeo eu notei também uma certa indecisão sobre o design e as funções dessa primeira câmera. Ao certo o que ele tem como meta é curiosamente o mecanismo de avanço do filme. Ele quer que a nova câmera proporcione ao proprietário aquela sensação táctil e sonora, que os que estão familiarizados com as câmeras analógicas  sentem ao manipular uma delas. Quanto ao resto, ainda parece não haver uma definição sobre se a câmera contará com recursos eletrônicos de gerenciamento, como exposição, abertura, foco ou zoom automáticos.

Mesmo entre os usuários mais antigos e fiéis da marca, não há consenso sobre como deveria ser essa câmera. Alguns prefeririam que fosse uma SLR com lentes intercambiáveis e a simplicidade da famosa Pentax K1000, a câmera recordista de vendas da Pentax em todos os tempos. Outros já acham interessante a ideia de uma câmera de entrada simples e quase totalmente automática. Eu preferiria uma câmera mais completa, algo entre a robusta K1000 e a maravilhosa PZ-1, que foi a última câmera profissional da marca.

Todo essa movimentação e as declarações do Sr. Takeo me fazem pensar sobre como uma parte dessa tecnologia de mais de 200 anos (desde a invenção da fotografia) pode ter se perdido. E ainda mais dentro da própria empresa que vem inovando o mercado de equipamentos desde a década de 1950.  Parece que só restaram desenhos em papel, das câmeras mais antigas. Equipamentos de fabricação foram descartados, empregados demitidos ou aposentados. A mudança rápida da tecnologia das câmeras mecânicas, para as digitais ainda de filme e posteriormente para as totalmente digitais foi muito rápida.

E aquela infeliz certeza de que a fotografia química iria desaparecer também ajudou no processo de esquecimento. A mesma coisa aconteceu com a indústria fonográfica. Com o lançamento do CD de áudio, parecia certo que o vinil iria desaparecer. Mas hoje ele está mais vivo que nunca. Estúdios analógicos e fábricas de prensagem de discos estão reabrindo. E existe a mesma dificuldade com pessoal especializado.  Com o ressurgimento da fotografia química, a falta de mão-de-obra nas fábricas de filmes e químicos e nos laboratórios de revelação está fazendo com que empregados antigos aposentados ou que mudaram de carreira sejam chamados de volta.

Tudo isso me leva a pensar  em  considerações sobre a beleza do design perfeito e sua imanência... Penso que algumas coisas materiais ou imateriais (conceitos por exemplo) criadas pela inteligência humana ou pela natureza são quase que definitivas e insubstituíveis. O bom design é um conceito utópico.  Mas  algumas vezes um lampejo de criatividade toca alguns designers e estes criam coisas quase atemporais. Penso que, citando três exemplos, essa beleza e perfeição de formas faz sempre com que os proprietários dessas coisas e ideias retornem inevitavelmente a elas. Seja por pressão de alguns clientes fiéis ou por simplesmente perceberem que determinada forma era a mais fácil de ser produzida e trazia resultados de longo prazo em termos de aceitação e confiabilidade. A Apple levou onze anos para retornar a um dos mais belos designs de telefone celular já criados (em minha opinião). 

A Leica nunca abandonou o desenho da clássica série M e a Pentax criou em 1960 um corpo de câmera que se  perpetuaria por quase quarenta anos. A forma desse corpo não foi, em si, inventada pela fabricante japonesa, que se inspirou em alguns modelos alemães. Mas a forma, que na verdade satisfazia a necessidade da função, ficou quase perfeita. E o famoso retângulo, com um quase triangulo em cima e botões redondos nos lados esquerdo e direito se tornou um símbolo universal para comunicar instantaneamente a ideia de uma câmera. Walter Gropius (Bauhaus) revolucionou o design moderno ao buscar formas e linhas mais simples, definidas pela função do objeto. E a experiência com produtos mal sucedidos mostra que toda vez que o design foge dessa determinação, ele não se sustenta por muito tempo.

A posição do Sr. Suzuki não deve ser nada confortável. Ele é um executivo prestigiado da Pentax, e embora não tenha deixado claro nos seus vídeos se a ideia de reviver a era analógica dentro da Pentax  tenha sido dele, ou se ele foi destacado para a missão, a pressão por resultados deve ser grande. Logicamente, mesmo sendo a Pentax atualmente a única fabricante de câmeras comprometida em manter a tradição das DSLR com visor ótico (pentaprisma) e obturador mecânico, mesmo a custa de manter pequena a participação no mercado global de câmeras, certamente a empresa quer resultados financeiros com essa nova vertente. E isso significa prazos apertados para entrega de resultados e controle rígido de gastos.

Se eu pudesse dar um conselho ao Mr. TKO seria simplesmente pra ele não cair na tentação de reinventar a roda. Certamente há entusiasmo dentro da equipe dele, principalmente entre os engenheiros mais jovens, de se agregar eletrônica embarcada e funcionalidades digitais ao novo produto. E na verdade, como acontece já em muitos celulares e câmeras digitais, a maioria delas quase não será usada. Basta dar uma olhada nos manuais desses equipamentos. Eu pelo menos tenho desânimo de ler. São centenas de páginas só para explicar coisas que não pretendo usar. As excelentes câmeras analógicas dos anos 1970 tinham pouco mais de trinta páginas. Era o básico. Porque o restante era técnica, criatividade e experimento.


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Marcelo Ruiz

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