O ano chega ao fim e para tentar garantir
algum trabalho para o próximo ano, já que aqui em Brasília os meses de janeiro
e fevereiro são sempre muito fracos para produções em vídeo, entrei em duas
licitações do governo. Sem muitas esperanças, pois esses certames são sempre
muito disputados e acabam com preços muito abaixo do razoável.
Mas imbuído do espírito de Natal e na
esperança que o bom senso prevalecesse dessa vez resolvi participar. Qual nada.
Serviu apenas para me mostrar que a falta de critério, ética profissional e
lógica continuam fora de nosso aviltado mercado. Mercado que continua de pernas
para o ar. Nesses últimos anos capotamos feio e continuamos a dar piruetas.
Na primeira licitação, que previa a produção de 26 vídeo-aulas de 40
minutos cada, para um curso de ensino a distância para a Universidade Federal
de Brasília, cujo preço médio proposto pela própria licitante era de R$ 87 mil
para o conjunto de vídeos, uma produtora arrematou por R$ 21 mil. Uma media de
menos de pouco mais de R$ 800,00 por vídeo.
E inclusas no trabalho vinhetas de
abertura, trilha sonora, entrevistas gravadas com os palestrantes, inserção de
gráficos e demais conteúdos pedagógicos. E ainda a entrega em diversos formatos
e com diversas cópias em DVD de cada conteúdo. A segunda disputa não foi
diferente, mas foi ainda pior.
Tratava-se de produção de vídeo
documentário para o Ministério Público do Trabalho e Emprego sobre o trabalho
escravo no Brasil. No edital, com preço médio indicado pelo licitante em torno
de R$ 380 mil, era solicitado que a produtora tivesse ao menos duas reuniões de
trabalho em Brasília, escrevesse o roteiro, captasse entrevistas com 2 câmeras
em alta definição em pelo menos sete cidades brasileiras, com equipe completa. Além
disso havia a computação gráfica para criação de vinhetas e trilha sonora
pesquisada e original, além da gravação em estúdio, com cromakey, de passagens com
locutor/apresentador.
Em 2011 nossa produtor havia feito um
trabalho muito parecido para o Ministério da Saúde, porém com menos viagens
(cinco cidades brasileiras), mas com o mesmo nível de complexidade e
exigências. Sem contar a inflação e aumentos de custos de mão-de-obra e
equipamentos, o total gasto somente com a produção ultrapassou os R$ 100 mil.
Sem contar lucro, impostos remunerações para mim e meus sócios, que trabalhamos
muito no projeto.
Mas então os R$ 380 mil estavam muito acima
do valor real da produção? Provavelmente não, mas digamos que esse custo médio
pesquisado no mercado, para a preparação do edital estivesse acima do valor
real. Qual valor seria esse?
Considerando-se a inflação do período, o
maior número de viagens e outros detalhes, orçamos os custos brutos de produção
de R$ 150 mil. Acrescentando-se a esses custos o lucro negocial médio de 35%,
mais impostos e uma margem de segurança de 10% para imprevistos chegaríamos a
um valor final de R$ 250 mil.
E dentro desses cálculos, alguns
concorrentes pararam seus lances quando o preço chegou a R$ 280 mil ( nós ainda
avançamos mais e paramos em R$ 220 mil) pois menos que isso seria temerário.
Pois bem: o lance vencedor ficou em inacreditáveis e insanos R$ 82 mil, que foi o valor final ofertado por uma
produtora de fora de Brasília. Houve a tradicional chiadeira dos demais
participantes, alertas do pregoeiro à vencedora, perguntando se haviam lido
corretamente o edital, mas acabou o vencedor aceitando o trabalho.
Como é possível? Que qualidade terá o
produto final a ser entregue ao licitante? Mesmo o mais raso dos argumentos,
que seria a produção feita por uma microempresa produtora, com dois ou três
membros, sócios entre si ou não, isso não estaria dentro das regras. O edital
especificava claramente uma equipe mínima composta de produtor, diretor,
câmeras, assistentes de câmera, técnico de áudio, assistente de áudio,
eletricista, maquinista, maquiador e outros.
Quem é da área e está acostumado a orçar
esse tipo de produção, sabe que o valor arrematado simplesmente não fecha. Os
próprios pregoeiros responsáveis por essas licitações nos diversos órgão
públicos também sabem disso. E ficam preocupados, pois depois de contratado,
produzido e entregue o trabalho, área técnica do órgão licitante não fica
satisfeita com o resultado. Mas esta não pode interferir ou participar do
edital, que geralmente é conduzido por um setor específico da entidade.
O que eu pretendo alertar com esse post? E
não se trata aqui de revanchismo, por nossa empresa não ter ganho, pois sabemos
bem até onde podemos ir com responsabilidade. Trata-se apenas de alertar para o
sucateamento e o desmantelamento de nosso mercado nacional de produção de
vídeo. Não podemos esquecer, e todos vocês que me leem sabem, que o preço de
nossa mão-de-obra não é barato, que os equipamentos, além de custarem caro, se
sucateiam com facilidade, que a obtenção de um nível de qualidade e a melhoria
constante desse nível custam muito investimento.
Dentro do preço que oferecemos aos nossos
clientes, também devem estar previstos esses custos. Caso contrário,
continuaremos a ficar de fora de um mercado que está crescendo, mas que exige
cada vez mais profissionalismo e qualidade técnica e artística. As pequenas
produtoras, que hoje se dedicam basicamente a trabalhar na área de eventos
sociais, por força de novas leis, foram autorizadas a participar de certames do
governo em igualdade – e até mesmo com alguma vantagem – com as grandes
produtoras, em um esforço do governo para valorizar e alavancar os micro
empreendimentos.
Mas não é oferecendo propostas muito abaixo
dos valores do mercado que elas vão conseguir crescer. Nos dois casos que expus
aqui, finalizados os trabalhos com êxito e qualidade – o que acho muito difícil
– o valor líquido que sobrará as empresas vencedoras será insuficiente para que
elas possam investir em melhores equipamentos, contratar mais mão-de-obra,
capacitar os membros da equipe e se lançarem em projetos maiores.
Com isso quem ganha são as poucas grandes
produtoras, que cada vez mais abocanham a fatia gorda desse mercado, que são as
produções de cinema, televisão aberta e fechada e os comerciais de televisão de
grandes empresas. Esse tipo de comportamento só reforça e
cria argumentos para as agências de publicidade, patrocinadores privados e
gestores de fundos de apoio à cultura em direcionarem suas preferencias e
verbas para um reduzido número de produtoras de porte, que eles entendem serem
capazes de abarcar grandes projetos.
Grande abraço a todos!
R$ 280.000,00 MIL PARA R$ 80.000,00.
ResponderExcluirFaço idéia o nível do trabalho dessa produtora.
Ohhhhhhhhhhh mundo cruel e INSANOOOOOOOOOO