E em nossa área, a assistência técnica anda bastante precária. Primeiramente porque quase todos os equipamentos que
usamos são importados, passando das câmeras de vídeo e chegando aos
computadores que usamos para editá-los, somente para encurtar esse
prefácio. Quem já necessitou levar uma
câmera de vídeo para a assistência técnica, seja na garantia ou fora dela, sabe
bem do que estou falando.
Aos que tiveram a sorte, até agora, de
nunca terem precisado consertar nada, um aviso desalentador: a situação está
muito pior hoje do que nos tempos do vídeo analógico.
Os únicos equipamentos profissionais
de vídeo que eu vi serem cobertos por
uma assistência técnica eficiente e uma certa facilidade de obtenção de peças
de reposição foram os extintos equipamentos Sony Betacam.
Antes da migração para o vídeo digital HD,
simplesmente todas as grandes produtoras e a maioria quase absoluta das redes
de televisão usavam somente equipamentos Sony da linha Beta. Além disso, esses
equipamentos eram extremamente robustos e duráveis e sua construção era
planejada para facilitar a manutenção. Gabinetes espaçosos, sistemas montados
em placas separadas por função e partes intercambiáveis.
Um vt Betacam da linha UVW, por exemplo,
tinha uma quantidade enorme de placas e sub-placas. O técnico eficiente já nos
perguntava qual o defeito e levava na maleta a placa certa. Tirou uma, colocou
outra e pronto. Se tivesse conserto, ele levava para o laboratório, reparava o
componente e depois voltava para substituir. Seu equipamento não parava.
Uma câmera Sony Betacam SP era dividida em
duas partes. A cabeça de imagem e a unidade traseira que podia ser de um
gravador Beta SP, XDCam ou mesmo um sistema dedicado para estúdio, para
acoplamento em uma CCU. Se pifava uma câmera de estúdio na parte de
acoplamento, você podia montar um gravador de vídeo que estivesse sobrando e
pronto. Ela podia ir para a externa.
Assim como uma ENG de externa podia ser
facilmente transformada em uma câmera de estúdio. Muitas peças que se
desgastavam mais rápido, como os enormes cabeçotes de vídeo, podiam ser
recondicionados ao invés de serem simplesmente descartados. Não eram
equipamentos baratos. Tão pouco a mão-de-obra especializada das assistências
Sony Broadcast. Mas eram produtos e pessoas eficientes.
Hoje estamos vivendo em uma terra de
ninguém. Não há regulamentação do mercado, tão pouco fiscalização. A maioria
dos equipamentos usados por pequenas e médias produtoras, da captação à
finalização, entram no país de forma ilegal e ou poucos que são comprados
oficialmente nas revendas autorizadas, carecem de uma assistência técnica
eficiente.
Por que isso acontece? Vejamos. Como disse
antes, grande parte dos equipamentos são entram no país de forma irregular.
Comprar no Paraguai, a primeira vista,
pode parecer mais vantajoso (e talvez até seja, como veremos mais na frente),
mas isso implica em perder a garantia oficial do fabricante. Consertar ele
conserta, mas cobrando caro por isso. Por conta dessa prática, o volume de
produtos oficiais é tão pequeno, que não compensa para as autorizadas manterem
estoques de peças de reposição.
Os modelos hoje parecem até carro zero,
cada ano é lançada uma linha diferente. Além disso, são extremamente
descartáveis por conta da forma de fabricação e tempo de vida útil previsto.
Não que sejam mal feitos, mas certamente ficarão defasados com um ano de uso.
Os componentes internos são altamente compactados. Todo o sistema se resume a
uma única placa lógica. Aliás quem já não ouviu do técnico a famosa frase:
“Ihhhh. Queimou a placa lógica. Só trocando inteira!” Dá para consertar? Trocar
o chip defeituoso? Não. Ele é soldado por robôs e além disso não tem para
vender.”
O preço da tal placa lógica? Quase o valor
total do equipamento. Não vale a pena consertar. É melhor encostar e comprar o
modelo novo que acabou de sair. E se mesmo assim você insistir em consertar,
prepare-se para um calvário. No mínimo um mês para receber o orçamento, três
meses de espera da peça que será importada do Butão Ocidental ou da Patagônia Austral
e mais um mês para a troca e testes. Quando finalmente seu equipamento voltar,
já estará substituído por um modelo mais novo.
Parece exagero? Nada disso. Quer exemplos?
Vamos lá. Eu tive uma câmera Sony HVR-A1U. Câmera excelente. Boa imagem em HDV,
usava fita MiniDV, era pequenina (discreta para certos tipos de filmagem) e com
boa captação de áudio. Era. Até o dia que queimou. Um simples flatcable que alimentava o visor LCD,
que era também touchscreen e que
alguém teve a infeliz idéia de projetar com a capacidade de girar 180 graus.
Aliás como os demais modelos da Sony até hoje. Pois bem. Esse maldito flat apesar de partir em quase todos os
modelos, não era parte do estoque da assistência técnica oficial da Sony.
Além disso o técnico me informou que para
checar se haviam outros defeitos e me dar um orçamento oficial e preciso, teria
que esperar o flat chegar.
Equipamento para testes em bancada parecem não ser boa prática por lá. No
manual técnico dessa modelo é previsto o uso de um equipamento de análise que é
conectado em uma entrada interna de serviço. Bem, mas vamos adiante. Depois de 01 (um) ano de espera, isso mesmo,
um ano, a assistência técnica finalmente me enviou um orçamento.
O valor era quase o preço, em dólares, de
outra câmera igual, conforme constava no site da Sony. E além disso, outras
peças necessitariam ser trocadas. Para a chegada dessas outras peças, mais 3
meses de espera e um mês para a execução dos serviços. Resultado final? A
câmera está até hoje na prateleira da assistência técnica. Não me animo nem a
pagar R$ 50,00 de Sedex para trazer a moribunda de volta.
Bom, mas essa câmera já era um modelo meio
antigo e agora até já saiu de linha. Mas o que dizer de algo muito novo? Meus
leitores podem achar que eu não dou sorte, mas acreditem que outro dia em uma
gravação de um show ao ar livre, durante uma ameaça de chuva, que acabou nem
caindo, um raio caiu na estrutura de palco e a carga passou através de um cabo
de câmera para minha novíssima mesa de corte Panasonic HD. Resultado?
Felizmente, apesar de todos os câmeras terem reclamado do choque (eram 6
câmeras ligadas na mesa de corte) e ninguém ter saído ferido, um canal SDI da
mesa queimou.
Consultada a autorizada Panasonic no
Brasil, o veredito foi a placa de entradas de vídeo, que poderia ser muito bem
individual para cada uma delas, teria que ter o chip SDI trocado. Eu fiquei
todo feliz. Parece que as coisas estão melhorando. Os caras da Panasonic em SP
tem uma das poucas máquinas de solda de ballgrid
existentes no país. Mas depois veio a decepção. O chip SDI, que pelo site de peças da Panasonic custa pouco mais que
US$ 50,00, teria que ser importado do Panamá e custaria aqui, depois dos
impostos e outras despesas, mais de R$ 1.000,00, fora a mão de obra da solda,
que sairia por R$ 1.700,00.
Uma solda por R$ 1700,00? Com esse valor
dava para remendar todo o casco do Titanic!
O resultado é que fiquei com apenas 5 canais funcionando na mesa e ela
vai ficar assim até ser aposentada. Ela me custou R$ 20 mil, sendo que não
passa dos R$ 9 mil nos Estados Unidos. Como vou pagar quase R$ 3 mil para
consertar um canal de vídeo? E além disso o pior de tudo: mais três meses de
espera para receber o equipamento de volta. Só o que eu perderia em diárias de
locação nesse período seria o dobro.
Quando vamos para as nossas queridas ilhas
de edição, o desânimo não é menor. Agora no Brasil está pegando a moda do RMA (Returned Materials Authorization). Você
compra um processador, por exemplo, em uma loja de informática. As leis no
Brasil falam em sete dias para troca em caso de desistência da compra ou
defeito, trinta dias para troca em caso de defeito somente e um ano para
conserto pelo fabricante ou oficina autorizada.
Acontece que os processadores não são
fabricados no Brasil. E fabricantes como a Intel oferecem 3 anos de garantia
total. Na prática, depois de sete ou trinta dias, nenhuma loja vai substituir o
produto defeituoso por outro imediatamente, mesmo tendo outro igual em estoque.
Instruem você a usar o RMA. Sistema onde o comprador entra no site do
fabricante, abre uma ocorrência e recebe então um numero RMA e a autorização
para envio do produto defeituoso para troca. Normalmente o produto deve ser
enviado para fora do Brasil e corre o risco de ser taxado pela alfândega quando
for enviado pelo fabricante.
Esse processo pode levar de 30 a 60 dias.
Algumas marcas de prestígio como a Intel mantêm estoques para troca e uma
empresa de logística no Brasil para efetuar essa troca. Eu mesmo já troquei
diversas placas-mãe e processadores por esse sistema e sempre fui bem atendido.
O prazo médio de troca da Intel é de 20 a 30 dias. Já fiz trocas de componentes
da Asus e da XFX nos EUA que levaram até 60 dias para retornarem. Felizmente
nunca fui taxado pela alfândega nesses casos.
Mas apesar do sistema funcionar para a
troca do produto defeituoso, não deixando o cliente no prejuízo, imagine sua
ilha de edição parada 60 dias aguardando um processador ou uma placa de vídeo?
No final das contas você acaba comprando outro componente novo e muitas vezes
nem vai atrás da garantia no exterior. Mesmo porque o custo de envio fica muito
alto. Mesmo em equipamentos fechados
como workstations Apple, Dell ou HP, onde a garantia é dada no Brasil, o
cliente tem que arcar com os custos de transporte até a praça da assistência
autorizada e também do seu retorno.
O prazo para análise, fornecimento do
orçamento e reparo é sempre muito longo, principalmente no caso de peças vindas
do exterior. No final das contas, o
prejuízo é sempre nosso. Cada vez que eu
loco um equipamento aqui na produtora fico com o coração na mão. Os preços
praticados pelo mercado são tão baixos que uma diária de uma câmera de vídeo HD
provavelmente não vai cobrir nem o custo do transporte de ida e volta à
assistência técnica em caso de problemas. Isso sem falar no custo do conserto.
Tenho falado muito aqui no blog da
precariedade do nosso mercado. Aliás um dos motivos que me levou a começar esse
blog foi tentar, além de ajudar com dicas técnicas, alertar os colegas para a
total desorganização e desarticulação do nosso segmento. Os preços que somos
obrigados a praticar, para driblar a concorrência desleal e a ganância
inescrupulosa de certos contratantes, nos leva a arriscar nosso capital em
empreitadas que muitas vezes acabam em prejuízo.
Escassez de produtos nacionalizados, altos
impostos para produtos importados que nem são fabricados aqui, deficiência de
assistência técnica e fornecimento de peças de reposição são apenas a ponta do
iceberg dos problemas que o nosso setor enfrenta. Não diria que chegamos ao
mercado negro da produção de vídeos. Mas com certeza estamos dentro de um
mercado cinza. E a cada dia fica mais difícil, principalmente para as pequenas
produtoras, sobreviver dentro dele. Até quando vamos assistir isso tudo de
braços cruzados?
Grande abraço a todos!
Marcelo Ruiz
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Marcelo Ruiz
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