Nessa série de três artigos vamos
discutir os novos desafios para as pequenas e médias produtoras independentes
de conteúdo. Uma categoria, agora definida por lei, que por enquanto não saiu
do papel, mas que pode representar uma esperança para milhares de pequenos
empreendedores em todo Brasil, que há décadas lutam por sobreviver em um
mercado marcado por contrastes e desigualdades.
Para facilitar a leitura, optamos
por dividir o texto em três partes. Na primeira parte foi apresentado um pouco
da história e das condições atuais da categoria. Nessa segunda parte falaremos das mudanças no
cenário da produção de conteúdo independente, publicidade para televisão,
produção para cinema e o impacto e desafios para as produtoras de conteúdo . Na
terceira e última parte vamos falar sobre as novas tecnologias disponíveis e
sua importância para a sobrevivência das pequenas e médias produtoras.
Vai uma cartelinha aí? Na minha mão é mais
barato...
A foto postada por um amigo da área em um
site de rede social, da qual não sabemos a autoria ou dados do anunciante,
exemplifica bem a situação em que se encontram a maioria da empresas do setor
de audiovisual. Falo mais especificamente das pequenas produtoras. Muitas na
quase clandestinidade, pois mesmo tendo registros como microempresas ou firmas
individuais, vivem a margem do sistema.
Não é nossa intenção de maneira alguma
ridicularizar, segregar ou menosprezar a importância de profissionais como o
que colocou a tabuleta, provavelmente na porta de usa casa em algum bairro de
uma cidade qualquer desse nosso imenso e multicultura país. O direito ao
trabalho e mais que isso, no caso da atividade de produção de cinema ou vídeo,
o direito a livre expressão artística é uma conquista universal do ser humano.
Provavelmente o cidadão que executa os
trabalhos oferecidos na modesta placa, o faz cheio de boa vontade, com
seriedade profissional, com a melhor qualidade técnica dentro das
possibilidades de seus equipamentos e, principalmente, com a esperança de
construir um futuro melhor para sua vida e sua família. Isso é o que sonhamos
todos nós, trabalhadores honestos de qualquer segmento profissional.
A criatividade do brasileiro, da qual a
placa pendurada no poste é prova, não tem limites e não se cansa nunca de
continuar tentando.
No texto anterior, discutimos um pouco dos
principais problemas de nossa categoria, através de uma breve contextualização
histórica. Achamos necessário faze-lo
para podermos discutir as mudanças que agora, sessenta anos depois, nos
desafiam a pensar novos rumos. A nossa tabuleta pregada ao poste nos aponta uma
ponta do novelo. Vamos começar então por ela.
Citei o problema do crescimento horizontal,
onde existe a tendência, principalmente nas empresas iniciantes e de pequeno
porte, de um excesso de oferta e de tentativa de atuação em muitos segmentos de
mercado. Como a placa diz, essas pequenas produtoras oferecem do documentário
ao book de fotos, passando pelo curta, pelo longa, eventos sociais e o que mais
possa ser executado com conteúdo de vídeo e áudio.
No topo de dessa pirâmide empresas com mais
tempo no mercado e geralmente de médio e grande porte, tendem a selecionar mais
as atividades, se especializando em uma ou duas categorias. Geralmente se
dedicam a produção cinematográfica e aos comerciais de televisão para grandes
anunciantes. Esses orçamentos mais generosos conseguem cobrir os custos de
funcionamento mais elevados dessas empresas.
Não é nossa intenção sugerir que o cinema,
por exemplo, deva ser realizado apenas por grandes produtoras. A recente
digitalização dos equipamentos e as incursões de alguns diretores em formatos que
privilegiam mais a criatividade do que o excessivo rigor técnico, permitem a
pequenos produtores a possibilidade de realizar com êxito comercial produções
de baixo orçamento. O que limita mais essa possibilidade é a falta de tempo do
que os recursos.
Curiosamente o chamado cinema de guerrilla ou indie movie é quase sempre realizado por diretores e donos de
pequenas produtoras, que por sua vez se dedicam mais ao cinema de arte e ao
curta metragem. Sobrevivem realizando pequenos trabalhos para outros colegas ou
trabalhando em regime de free lancer para
produtoras maiores, como forma de obter recursos para suas próprias produções.
É muito utilizado também o sistema de mutirão.
Nas pequenas produtoras onde o foco está na
prestação de serviços, quanto maior o número de clientes e mais diversificadas as modalidades
oferecidas, quase nunca há tempo ou motivação para a realização de projetos
próprios. O tempo desprendido com esses trabalhos e o retorno financeiro baixo
acaba por manter essas empresas longe da produção de conteúdo independente.
Sem a experiência necessária e sem
portfólio adequado, essas empresas não conseguem credibilidade suficiente para
trabalhar em projetos maiores e quase sempre são preteridas nas seleções para
patrocínio financeiro. Também não conseguem furar a barreira do fornecimento de
serviços ao governo por distorções nos modelos de contratação, que geralmente
deixam a cargo das agências detentoras das contas de publicidade a contratação
e terceirização das atividades de produção. Estas por sua vez preferem não se
arriscar contratando empresas pequenas e sem experiência na área.
Outra ameaça ao congestionado mercado das
pequenas produtoras são os profissionais independentes. Com a facilidade da
edição de vídeos em computadores domésticos e mesmo em notebooks e a
versatilidade das novas câmeras fotográficas digitais, capazes de filmar com
qualidade razoável, esses profissionais passam atuar de forma
independente. Não se trata de negar o
direito destes à livre iniciativa. Mas apenas de enfatizar que essa modalidade
de atuação no mercado acaba por dificultar ainda mais a sobrevivência da equipe
multidisciplinar agregada ao redor de um pequeno negócio.
Essa característica acaba por dificultar o
surgimento e a sobrevivência de pequenos núcleos de produção de conteúdo, já
que a atividade de criação para cinema ou televisão é essencialmente uma
atividade de grupo. Mesmo micro
produções como a filmagem de um evento social ou um vídeo institucional de
pouca complexidade exigem uma equipe mínima.
Ainda nesse aspecto, podemos agora abordar
o tema que nos inspirou a dar o título
desse texto: o comercial de varejo de baixo custo comumente conhecido como
cartela. Essa forma de filme comercial ainda sobrevive mesmo após sessenta anos
de sua criação. O próprio nome faz referência as cartelas de papelão, que eram
geralmente confeccionadas a mão, por um desenhista arte-finalista e exibidas na
frente da câmera, enquanto o apresentador ou a garota propaganda tentava
convencer o telespectador das qualidades do produto anunciado.
Trata-se da forma mais primitiva de
propaganda televisiva, antecedendo mesmo ao comerciais ao vivo, que ainda hoje
podem ser vistos em programas de auditório que felizmente, apesar do gosto
duvidoso e da falta de conteúdo, ainda sobrevivem na televisão. Falamos
felizmente porque essa modalidade de conteúdo, hoje na maioria dos casos
gravada previamente e não mais ao vivo, é a própria essência da televisão, no
que esta herdou do rádio: a comunicação direta e pessoal com o telespectador.
Mas esse assunto é longo e ficará para um próximo post.
Votando à cartela, que já foi tema de
perguntas de alguns leitores do nosso blog, que nos questionavam porque
falávamos tão mal dela (no que temos que confessar que é uma percepção
totalmente correta!), podemos dizer que hoje, além de anacrônica e
ultrapassada, essas forma de propaganda tira o trabalho de milhares de artistas
e técnicos e impede o desenvolvimento estético e financeiro das produtoras que
as realizam.
Alguns podem até argumentar que dão lucro,
pois o custo é baixo, que são uma forma de sobrevivência e que dão a muitos
anunciantes pequenos a possibilidade de estarem
em contato com seus clientes através da televisão. Mas infelizmente são meias
verdades. O valor pago pelas agências de publicidade às produtoras é cada vez
menor. Essas próprias agências já estão produzindo esses comerciais,
dispensando a contratação de produtoras.
Mesmo a recente medida da ANCINE
estabelecendo que apenas empresas, que possuam em sua constituição social,
atividades de produção audiovisual possam se cadastrar no sistema gerador de
autorização para exibição, não impedirá que estas, em pouco tempo, modifiquem
seu estatuto social de forma a incluir a produção de vídeo como atividade
secundária. Mais uma vez temos que afirmar não ser nossa intensão criar
reservas de mercado ou impedir o livre exercício da atividade de produção por
quem quer que seja.
O comercial de cartela não deve ser banido
pura e simplesmente. Existem até comerciais executados apenas com recursos de
gráficos animados por computação que são razoavelmente bem elaborados. Proibir
pura e simplesmente é cercear o direito de criação e livre expressão. O que é
mais importante é estabelecer normas e padrões de qualidade. E isso deveria ser
feito principalmente pelos conselhos de auto regulamentação publicitária, pelas
redes de televisão que exibem os
anúncios e pela sociedade civil sempre que se sentir afetada. Como acontece,
inclusive com comerciais tradicionais, as vezes com produção refinada e alto
orçamento, que de alguma forma ofendem os princípios éticos e morais da
sociedade e são sumariamente retirados do ar.
O comercial de cartela, fora raras e
honrosas exceções, prejudica o próprio anunciante, muitas vezes criando o
efeito contrário ao esperado, empobrece a grade de programação do exibidor,
chateia e afugenta o telespectador fazendo aumentar o zapping, tira empregos e principalmente sabota a produtora que o
executou. A produção de um comercial bem elaborado, com atores e todo o restante da produção
cênica é o melhor aprendizado e oportunidade de exercício das habilidades
necessárias a produção de qualquer outro tipo de conteúdo, seja para cinema ou
televisão.
Muitos diretores de cinema, aclamados pelo
público e pela crítica, começaram suas carreiras dirigindo comerciais. Outros
já declararam inclusive que gostam de dirigir comerciais como forma de
exercício criativo, pois a complexidade de refinamento técnico e estético de um
comercial bem elaborado, muitas vezes é um desafio maior para a equipe que o
realiza, do que para fazer um longa metragem.
Geralmente com tempo de produção pequeno, o comercial dá a chance ao quadro
técnico de uma produtora de experimentar mais idéias novas e soluções estéticas
do que teriam com a realização de um único filme ou programa para televisão.
A janela de oportunidades que nosso
segmento profissional está atravessando agora não deve ser desperdiçada. O
Brasil está vivendo um período de crescimento sustentável, chegando ao posto da
sexta economia global. A diminuição da pobreza fez surgir uma gigantesca classe
consumidora. Os setores de indústria, comércio e prestação de serviços podem e
precisam gastar dinheiro com publicidade. O aumento do nível de escolaridade e
a modificação de hábitos de consumo faz o telespectador querer assistir
propagandas de qualidade.
A tática de atirar as peças de bacalhau à
plateia, como fazia Chacrinha, O Velho Guerreiro, já não surtirá tanto
resultado. A nova classe média quer e pode comer bacalhau sim, mas está também
refinando seus hábitos. Não quer e não deve ser tratada como a claque do
Chacrinha, que disputava aos tapas o peixe atirado para poder ter a
oportunidade de experimenta-lo pela primeira vez na vida.
A nova lei da televisão a cabo que está
passando pelo processo de regulamentação vai abrir uma grande janela de
oportunidade, pois determina a criação de um mercado regional e independente de
produção de conteúdo, restringindo inclusive a possibilidade de produção deste
pelas próprias exibidoras e fornecedoras de pacotes. Entre as formas de incentivo dessa produção
estão previstas inclusive cotas de financiamento à produção diferenciadas de
acordo com a localização geográfica dos produtores de conteúdo.
Na área de cinema, a modernização e
ampliação das salas de exibição, visando atender ao aumento de espectadores,
principalmente na classe C, prevê a construção de milhares de cinemas digitais
em praças que hoje não dispões de uma sala sequer. Esse novo público é mais
aberto a produção regionalizada e popular pois, mais que produtos de prateleira
estrangeiros, quer se ver na telona. Tal qual se vê nas novelas, o produto de maior sucesso da televisão
brasileira, que vem mudando sua forma original, de folhetim melodramático, para
os textos ágeis e focados na realidade do povo brasileiro.
A internet é outro campo ainda pouco
explorado pelas empresas e anunciantes brasileiros. Mas já existem estudos mostrando
o interesse destes por um tipo de produção
multimídia mais refinado. Um exemplo clássico e pioneiro foi a
realização, pelo fabricante de automóveis BMW, de oito filmes de curta duração,
entre 2001 e 2003, com direção de pesos pesados do cinema. Os filmes, todos
estrelados por Clive Owen, custaram cerca de US$ 25 milhões, um verdadeiro
escândalo na época, mas renderam a empresa um aumento de 12% nas vendas e foram
vistos por mais de 100 milhões de vezes. E ainda hoje, dez anos depois, ainda
continuam atuais e atrativos ao espectador.
Esse vasto mercado ainda permanece
inexplorado e adormecido, tanto no Brasil como no mundo e fora esparsas
iniciativas, ainda não foi explorado em todo o seu potencial. Trata-se de uma
possibilidade quase infinita de oportunidades para agências de publicidade,
diretores consagrados e estreantes e para o mercado de produção de vídeo. O
modelo tem retorno garantido por tratar-se de um produto que o mercado chama de
cauda longa, por oferecer desdobramentos e possuir vida longa.
Mas todas essas oportunidades em diversos
seguimentos da produção audiovisual requerem duas mudanças de paradigma entre
os players envolvidos.
A primeira é a segmentação do mercado
através da verticalização, principalmente no lado da produção. Cada empresa,
seja pequena, media ou de grande porte deverá procurar seu nicho de mercado.
Isso implica em focar as atividades não apenas no tipo de segmento de mercado,
mas também na especialização dos serviços.
Não dá mais para querer fazer barba, cabelo
e bigode. Se determinada produtora vai optar, por exemplo, pela criação de
conteúdo para televisão, isso não significa que ela deva imediatamente montar
um estúdio e adquirir todo o equipamento necessário. Ela pode focar apenas em
produção executiva, ou prospecção e avaliação de novos produtos ou seleção de
roteiros. Pode se especializar em fornecimento e operação de maquinário e
movimento, ou cenografia e iluminação de set. As possibilidades são infinitas.
Esse processo deve ser orientado do macro
para o micro. Mas também deve levar em consideração outros fatores como
potencial do mercado local, expertise principal dos integrantes da equipe e a
própria percepção dos clientes potenciais quanto aos pontos fortes e fracos da
empresa. Na macro avaliação deve ser decidido em que mídia ou mercado a empresa
irá atuar. Isso não significa que uma empresa que se especializou em eventos
sociais, mas por vontade e anseios dos proprietários e mesmo dos colaboradores
queira migrar para o mercado de vídeos para a internet.
Escolhido esse macro seguimento, chega a
vez de caminhar ao detalhe. Dentro da área escolhida, onde você vai atuar? Que
áreas você vai terceirizar através de compra direta, parcerias ou associações?
Esse micro avaliação não é menos importante que a macro. Pelo contrário. Quanto
mais se refina a seleção mais fatores entram na ponderação da escolha. Essa é
uma etapa complicada, principalmente a pequena e média produtora, acostumada
pelas dificuldades de mercado a geralmente
executar todo o processo de produção. As empresas maiores, e talvez
nisso resida o seu sucesso, costumam terceirizar mais, mantendo in site apenas as atividades-chave do
processo.
Não temos reservas em reconhecer por
exemplo, em nossa produtora, que durante anos uma crítica que fazíamos aos
concorrentes – de não investirem em equipamentos – se mostrou equivocada. Nos
levou a formar um patrimônio considerável em meios físicos de produção,
investir somas consideráveis, tempo e energia nessa atividade nos desviando de
outras que ficaram em segundo plano. É certo que existe um nível mínimo,
confortável e necessário de insumos tecnológicos que uma produtora deve
possuir. E isso depende, conforme dito antes do foco principal. Mas querer
resolver todo o processo com tecnologias e equipamentos próprios, apesar de
tentadoramente ilusório no que diz respeito a diminuição de custos de curto e
médio prazo, pode se revelar um desperdício de capital a longo prazo.
Isso porque na última década
principalmente, as mudanças tecnológicas e a consequente obsolescência de
equipamentos e métodos de trabalho, fizeram quase todo o mercado perder muito
dinheiro. Basta recordar o caso dos equipamentos Sony Betacam. Tidos como a
quintessência em termos de qualidade e durabilidade, com custo elevadíssimo,
reinaram durante quase trinta anos e em pouco mais de três anos se tornaram
completamente obsoletos.
Mas esse é um assunto para o terceiro e
último artigo dessa série. O tentamos ressaltar nesse segundo texto é a
absoluta necessidade de uma mudança. A saída da zona de conforto em que todos
nós nos acostumamos é necessária e vai significar o sucesso ou o fracasso de
muitas pequenas e médias produtoras. A forma de produzir conteúdo mudou e ainda
vai mudar mais nos próximos anos. E não falamos mais em médio ou longo prazo.
Esses não existem mais nesses tempos de tecnologias digitais. Nos próximos dois
ou três anos a revolução digital que levou pouco mais do que esse tempo para
aposentar de vez a centenária película e o padrão de meio século de vídeo
analógico, vai completar seu ciclo. Não significa que vá parar por aí. Vai
continuar em movimento, mas quem sobreviver e se adaptar a essas mudanças
poderá permanecer no mercado e acompanhar a evolução deste nas próximas décadas.
No próximo e último artigo dessa série,
vamos falar sobre essas novas tecnologias ja disponíveis e sua importância para
a sobrevivência das pequenas e médias produtoras. Não deixe de ler.
Para ler os outros artigos:
Parte 1
Parte 3
Para ler os outros artigos:
Parte 1
Parte 3
Grande abraço a todos!
Marcelo Ruiz
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