A atriz-mirim Sonia Maria Dorce e Walter Tasca, o primeiro camera-man brasileiro, na TV Tupi, em 1950. É dela a primeira imagem televisionada no Brasil: vestida de índio, ela saudou a inauguração do canal. (Foto: Divulgação/Acervo Pró-TV)
Nessa série de três artigos vamos discutir
os novos desafios para as pequenas e médias produtoras independentes de
conteúdo. Uma categoria, agora definida por lei, que por enquanto não saiu do
papel, mas que pode representar uma esperança para milhares de pequenos
empreendedores em todo Brasil, que há décadas lutam por sobreviver em um
mercado marcado por contrastes e desigualdades.
Para
facilitar a leitura, optamos por dividir o texto em três partes. Nessa primeira, vamos abordar um pouco da
história e das condições atuais da categoria. Na segunda parte falaremos das mudanças no
cenário da produção de conteúdo independente, publicidade para televisão,
produção para cinema e o impacto e desafios para as produtoras de conteúdo . Na terceira e última parte
vamos falar sobre as novas tecnologias disponíveis e sua importância para a
sobrevivência das pequenas e médias produtoras.
Uma
perspectiva histórica
Se em 1950 perguntássemos a um diretor de
cinema, ou dono de agência de publicidade, o que fazia uma produtora de vídeo,
o que ele nos responderia? A televisão, depois de mais de vinte anos de
experimentos, já fazia parte da vida de milhões de pessoas em quase todos os continentes.
Já era considerada uma mídia de massa, tal como o rádio e os jornais impressos
e trilhava, desde o final da Segunda Guerra Mundial uma carreira comercial de
sucesso. Mas e o que faziam as produtoras de vídeo nessa ocasião? Como era sua
participação nesse novo mercado de entretenimento?
O cinema, em 1950, já tinha quase sessenta
anos de existência. O rádio mais de 25 anos de funcionamento em caráter
comercial. Esses dois veículos de comunicação já faziam uso da publicidade paga
como forma de financiar e obter lucro em suas atividades. A televisão, bem, a
televisão ainda engatinhava tentando encontrar uma identidade própria e um
modelo de negócios que a diferenciasse dos outros meios de comunicação.
As estações de televisão faziam uso das
técnicas do cinema, do rádio e da imprensa escrita para tentar criar um novo
padrão. É certo que usavam os serviços das agências de publicidade, mas estas
também ainda não entendiam bem o novo veículo. E quanto as produtoras de vídeo?
Simplesmente ninguém saberia nos
responder, porque essa atividade comercial, no início dos anos 50, ainda não
havia sido inventada.
Na verdade o próprio termo vídeo produção,
como conhecemos hoje, ou seja, uma atividade que produz e entrega um conteúdo
palpável, na forma de imagens e áudio gravadas para comercialização e posterior
exibição nas emissoras de televisão, era algo inviável. O primeiro aparelho
capaz de gravar imagens de uma câmera de TV para posterior reprodução, produzido pela empresa americana Ampex, só
começou a ser comercializado e utilizado em meados dá década de 50.
E assim mesmo, o modelo VR-1000 A da Ampex, não era muito prático. As fitas
de rolo tinham quase trinta centímetros de diâmetro e o próprio aparelho era do
tamanho de uma mesa de escritório. Sem falar no peso. Mas esse aparelho causou
uma revolução na forma de vender tanto a televisão comercial, quanto o espaço
de merchandising. E curiosamente, foi
pela insistência de dois comediantes, nos Estados Unidos e no Brasil, que o videotape entrou definitivamente nos
canais de televisão. Foram eles o cantor, ator e comediante Bing Crosby e nosso
querido Chico Anysio, respectivamente em 1955 lá e em 1961 aqui no Brasil, na
pioneira TV TUPI.
Mas de que forma todo esse preambulo
inicial se encaixa no tema de nossa conversa? O que tem a ver as produtoras de
vídeo de hoje com esses longínquos anos da fundação da televisão comercial?
Vamos então seguir adiante e conhecer mais alguns fatos históricos e juntar
algumas coincidências.
Até a invenção e o uso comercial dos
primeiros aparelhos de videoteipe a televisão era simplesmente toda ao vivo. A
programação diária era na base do aqui e agora e muitas vezes do improviso. Os
erros iam para o ar e não havia como corrigi-los. Somente remediar. Os poucos
registros históricos dos programas até a década de 50 foram salvos graças a
iniciativa de alguns canais e produtores de filma-los em película. Os jornais
eram apresentados ao vivo e as matérias, geralmente colhidas dos jornais
escritos, se precisavam de imagens, estas eram filmadas em 16 ou 35 mm. Os
cinegrafistas corriam para as estações de tv e lá revelavam os negativos e um
aparelho de telecinagem exibia os conteúdos aos telespectadores.
Gontijo
Teodoro em 1953 apresentando o "Repórter Esso", que foi o primeiro
telejornal da TV brasileira. nos anos 50 e 60. Ficou no ar até 1973.
(Foto: Divulgação/Acervo Pró-TV)
Assim também eram feitos os teledramas,
geralmente encenações de peças de teatro filmadas e posteriormente exibidas, os
shows de algumas orquestras e cantores famosos e mais raramente os breaks comerciais. Na verdade, a maioria
dos comerciais eram feitos ao vivo, durante a programação, com as chamadas
garotas e mais raramente garotos propaganda. Percebe-se então que os
estúdios de cinema e as poucas produtoras que prestavam
serviços as grandes companhias cinematográficas dominavam o cenário de produção
para a televisão.
E essa participação era pequena, pois nesses
anos iniciais da tv, os atores e demais técnicos da indústria cinematográfica
viam com um certo demérito o fato de trabalharem para a nova indústria do
entretenimento. Demérito e desconfiança, já que muitos achavam que o novo
veículo de comunicação iria acabar matando o cinema.
Mesmo após a introdução e popularização do
VT, os anúncios publicitários eram feitos em estúdios menores e dedicados,
dentro das instalações das próprias redes de televisão. Estas geralmente tinham
suas próprias agências de propaganda que se encarregavam, com ou sem a
supervisão das agências dos clientes, em criar e executar as campanhas em vídeo.
Aqui cabe uma curiosidade: no Brasil, somente em 1965, com a Lei nº 4.680, de 18 de junho de 1965 e o Decreto Nº 57.690, de 1 de fevereiro de 1966, foi regulamentada a atividade das agências de propaganda e a definição da profissão de publicitário.
Aqui cabe uma curiosidade: no Brasil, somente em 1965, com a Lei nº 4.680, de 18 de junho de 1965 e o Decreto Nº 57.690, de 1 de fevereiro de 1966, foi regulamentada a atividade das agências de propaganda e a definição da profissão de publicitário.
Inclusive, se não tivesse havido o veto de
parte do artigo 3º da lei nº 4.680, pelo então presidente Humberto Castello
Branco, as empresas privadas e mesmo os demais meios de comunicação, não
poderiam ter, até hoje, suas agências internas de publicidade. A integra do
artigo previa que seriam consideradas agencias de publicidade apenas as
empresas que fossem independentes do controle econômico dos anunciantes ou de
qualquer mídia.
Mas ainda nos anos 60 e 70, era pequena a
produção de conteúdo, fosse na forma de produções independentes ou mesmo vídeos
publicitários, executados por produtoras independes e externas aos grandes
canais de televisão. Exceção feita aos conteúdos realizados em película 16 ou
35mm, que mesmo assim eram realizados por estúdios cinematográficos.
Daí se explica a tradição de agências,
diretores e grandes anunciantes, de até hoje optarem por realizar em película,
ou mais recentemente em equipamentos digitais de cinema, produções para a
televisão e vídeos de publicidade. Nesse aspecto, o cinema nunca saiu de dentro
da televisão e nem esta prescindiu do cinema, motivo pelo qual ainda nos dias
de hoje pequenas e médias produtoras de vídeo encontrarem dificuldades para
competir nesse mercado.
Somente a partir de 1970 com a introdução
dos sistemas U-Matic e Betacam, ainda
caríssimos e acessíveis apenas a empresas com grande capital, aliada as
novas possibilidades, que a redução de tamanho e peso dos equipamentos oferecia
em termos de agilidade, teve início a produção totalmente independente de produções
para televisão e publicidade, realizadas diretamente por grandes produtoras, que
possuíam longa tradição no mercado cinematográfico. E também porque, após o
fechamento da maioria dos grandes estúdios, como a Vera Cruz e a Atlântida, nos
anos 60 e a quase extinção, no final dos anos 70 e durante a década de 80, da
produção cinematográfica nacional, , muitos produtores, atores e técnicos
migraram para a indústria televisiva.
Pelo menos essa foi a realidade brasileira,
já que no exterior, notadamente na Inglaterra com o modelo estatal de televisão
e nos Estados Unidos com a iniciativa privada, pela maior facilidade de acesso
a equipamentos, maiores recursos financeiros e um mercado consumidor com forte
poder aquisitivo e ansioso por esquecer as agruras da Segunda Grande Guerra,
surgiram ao final dos anos 50, empresas especializadas não apenas na área de
produção, mas na prestação de serviços para os grandes canais de televisão que
iniciavam suas operações regulares.
A popularização do videoteipe não apenas na
área profissional, mas sobretudo no mercado de vídeo doméstico, a partir dos
anos 80, com a introdução das filmadoras VHS e Super VHS, ainda em modelos de
ombro de porte avantajado e parecidas com os equipamentos profissionais, fez
surgir um mercado novo e propiciou a criação das pequenas produtoras de vídeo. Os
fotógrafos independentes e os estúdios de fotografia rapidamente passaram a
oferecer um novo serviço a seus clientes: a cobertura de eventos sociais. Na
verdade o mercado já existia na forma de registro em super-8 ou mesmo 16
milímetros. Mas era um serviço caro e com acesso restrito somente as classes
mais abastadas da sociedade. A introdução do videocassete doméstico apenas
popularizou o hábito.
Feita essa contextualização histórica e
temporal, podemos entender melhor e mesmo posicionar a situação atual da
produção de conteúdo, seja ela de propaganda, de produção de programas
independentes para televisão aberta ou fechada, de cinema, de documentários ou
vídeos institucionais para empresas privadas ou órgão governamentais e por fim
o registro de eventos sociais. Podemos estabelecer algumas premissas, algumas
válidas para todo o segmento e outras mais aplicáveis ao universo das pequenas
e médias empresas do setor:
·
O mercado de produção de vídeo,
em suas diversas especialidades, se encontra fortemente estratificado. Essa
segmentação, não ocorre de forma natural com os diversos concorrentes
procurando um nicho de mercado como forma estratégica de otimizar recursos
materiais e humanos e criar uma imagem
de excelência baseada na especialização.
- É muito mais influenciada por fatores internos como, capacidade financeira, acesso a equipamentos, disponibilidade de mão-de-obra especializada e isolamento da seus pares. Existem ainda os fatores externos como a falta de políticas de incentivo e financiamento à produção independente, má distribuição dos poucos recursos públicos e privados e a distribuição geográfica não heterogênea com concentração acentuada nas grandes praças;
- A dominação do mercado por poucos e poderosos grupos econômicos, dificulta ou mesmo impede a mobilidade vertical das pequenas e medias empresas do setor, causando com isso uma expansão horizontal e a consequente saturação na base do sistema, acentuando problemas como o canibalismo e a concorrência desleal;
- No mercado cinematográfico as consequências são a forte dependência de financiamento público para a produção comercial, a existência de um mercado concentrado em poucos núcleos urbanos, com predominância das regiões Sudeste e Sul;
- Essa concentração e os demais fatores já citados, não viabiliza o aumento da quantidade e a melhoria da qualidade das produtoras independentes, com reflexos na baixíssima participação nacional destas, no mercado exibidor (menos de 20% da bilheteria anual e quase 80% para as produções realizadas nos EUA, com inexpressiva participação de produções da América Latina);
- No segmento de televisão aberta, ainda não regulamentado com normas mais modernas e justas, há uma dominância quase total da produção pelas próprias exibidoras;
- No segmento de televisão paga a participação da produção independente nacional é ligeiramente maior, mas em compensação há uma predominância das produtoras de grande porte, muitas ainda controladas pelos exibidores e empacotadores, situação que deverá ser revertida a médio, longo prazo pela regulamentação da Lei Nº 12.485, de 12 de setembro de 2011, que deverá sair em abril de 2012, através de uma instrução normativa da Ancine;
- Quanto ao mercado de vídeos corporativos para o governo e empresas privadas, onde a participação de pequenas e médias empresas é mais forte, há o problema do excesso de oferta causado pelo crescimento lateral e pela concorrência desleal em termos de preços subdimensionados e participação do mercado informal;
- Na área de propaganda tanto no mercado privado, quanto no segmento governo há uma forte dominação pequenos grupos com grande poder econômico. A falta de legislação mais rígida (ou modificação da lei de licitações) faz com que grande parte dos recursos dos governos federal, estadual e municipal acabe sendo direcionado livremente, pelas agências detentoras das contas, para um número restrito de empresas produtoras);
- E finalmente no mercado mais informal de registro de eventos sociais, as pequenas produtoras legalmente constituídas ou não, sofrem concorrência cada vez maior não apenas entre si, mas sobretudo pelos profissionais independentes que, com a redução do custo e aumento da oferta de equipamentos de razoável qualidade técnica entram cada vez mais nesse mercado;
- Ainda em relação a essa oferta de equipamentos mais profissionais e baratos, as próprias empresas públicas e privadas também estão optando por adquirir ou arrendar esses equipamentos, montando seus próprios departamentos de produção audiovisual. A grande maioria por não ser enquadrada na lei que regulamenta a contratação de radialistas, acaba por contratar os profissionais que necessita, sem pagar o piso mínimo e demais condições garantidas pelos acordos coletivos da categoria.
No próximo artigo dessa série, vamos
abordar as mudanças no cenário da produção de conteúdo independente,
publicidade para televisão, produção para cinema e o impacto e desafios para as
pequenas e médias produtoras de conteúdo. Não deixe de ler.
Para ler os outros artigos:
Parte 2
Parte 3
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Marcelo Ruiz
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Marcelo Ruiz
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