Em mais de um século de
história, o cinema e os demais meios de comunicação sempre competiram pela
busca do expectador. Diversas teorias, ao longo de décadas, previram a morte de
diversos tipos de mídia. Nenhuma delas, no entanto, acertaram totalmente suas
previsões. O cinema não acabou com os jornais impressos e nem impediu o
surgimento do rádio ou da própria televisão, que por sua vez não acabou com o
cinema e nem diminuiu a influência e popularidade do rádio.
A internet não vai acabar com
a televisão e nem com o cinema. E já se duvida da previsão que os tablets e
e-books irão acabar com os jornais impressos. Na verdade, a melhor teoria
vigente é a que fala na convivência pacífica, através da convergência, onde o
melhor de cada meio contribui para seu próprio crescimento e para o
desenvolvimento de seus congêneres, levando inclusive a criação de modelos de
negócios híbridos.
Em relação ao cinema, este
está experimentando, a menos de uma década, um período de profundas
modificações em sua estrutura. Assim como a televisão, que desde a
popularização da internet e da tecnologia digital, tenta se reinventar para não perder espaço no
império da indústria da informação. E o que se nota, não é mais a competição predatória,
ocorrida um competidor tem que, necessariamente, aniquilar o outro. A
competitividade se tornou mais
sustentável, com os adversários se transformando em parceiros e buscando um
resultado comum: a conquista do consumidor de informações através de uma
imersão híbrida.
É bem verdade que a televisão
tirou público do cinema durante algumas décadas. Mas hoje, o cinema vai muito
bem, obrigado. Apesar do discurso saudosista, dos que lembram os anos dourados,
onde em cada bairro das brandes cidades haviam pelo menos um, senão mais
cinemas e onde cada cidade do interior tinha sua modesta sala de
projeções, o número de salas vem
aumentando em todo o mundo. O que se vê agora é uma certa concentração física,
onde um bairro pode ter perdido duas ou três salas, mas o novo shopping center
inaugurado, muitas vezes no mesmo lugar, conta com seis ou mais cinemas,
exibindo uma quantidade bem maior de filmes. Pelo menos essa é a realidade do
cinema brasileiro.
Infelizmente o número de
filmes nacionais exibidos nessas salas é menor que em tempos passados, com
grande predominância das produções americanas, hoje quase hegemonia. Mas
falaremos disso um pouco a frente. O
cinema, ao migrar para os espaços coletivos de consumo, resolveu diversos
problemas de logística. Ele se beneficia da grande quantidade de pessoas
circulando nesses locais, que por sua vez, se valem do poder de atração da
sétima arte para atrair público para as suas lojas e praças de alimentação.
O grande trunfo do cinema, em
relação a televisão, foi durante mais de 60 anos, a qualidade superior de
imagem e som e a tela grande. Até 1990 essa era uma verdade absoluta. O
aparecimento das câmeras fotográficas digitais a partir desse período, começou
a mudar o jogo. A popularização dos computadores pessoais e o surgimento da
internet também foram fatores decisivos, popularizando a tecnologia e
permitindo a integração de todo o processo de aquisição de imagens, filmes e
sons diretamente no computador.
Em meados dos anos noventa,
ninguém afirmava com certeza que a tecnologia digital de imagens fosse ameaçar
em curto prazo a qualidade do cinema. Diversos diretores consagrados afirmavam
então, que jamais trocariam a película por uma câmera de vídeo digital. A
maioria deles hoje já se declaram apaixonados pela nova tecnologia. E não se
trata de uma mudança por modismo ou falta de personalidade. O cinema digital
acabou definitivamente com a película. O maior gigante da fotografia, a Kodak,
cometeu o mesmo erro histórico que a Olivetti, um dos maiores fabricantes de
máquinas de escrever: não acreditou que seus produtos iriam ficar obsoletos.
Os diretores, que durante
décadas usaram a película, simplesmente se renderam a um fato incontestável: a
qualidade do vídeo digital superou, em termos de definição e fluidez de
imagens, o velho negativo. E esses velhos profissionais, olhos treinados por
anos atrás de uma câmera, sabem reconhecer o que é qualidade quando se trata de
fotografia e de imagens em movimento. E exatamente por isso entram agora em
competição com a televisão e inspiram o título desse artigo.
Diretores com James Cameron
(Avatar) e Peter Jackson (Senhor dos Anéis) se uniram a fabricantes de
equipamentos de projeção como a Barco e a Sony, tendo o apoio dos grandes estúdios
de cinema e as distribuidoras, para implementar ,a partir de 2012, as primeiras
produções no formato 4K em 3D e com taxas de frame muito superiores aos 24
quadros por segundo, tradicionais do cinema de película. Muito em breve filmar
em 24 quadros será coisa do passado.
O motivo não é simplesmente
vaidade ou preciosismo técnico. A indústria do cinema anda preocupada com a
competição da televisão. O motivo é simples: hoje a maioria dos monitores digitais
e os tocadores de Bluray são capazes de exibir imagens a 60 quadros por
segundo. Os filmes de ação – e hoje praticamente todos são – sofrem,
principalmente os exibidos em 3D, com efeitos indesejáveis de pulos e imagens
borradas nas cenas mais movimentadas. E esses mesmos filmes exibidos nas salas
de cinema a 24 fps, ficam disponíveis em pouco tempo para exibição em HD a 60
fps na sala da sua casa.
O cinema não quer perder
público para a televisão, mas também necessita que seu produto tenha o que se
chama de cauda longa, ou seja, depois da exibição na tela grande, posa ser
comercializado na forma de aluguel para cinema doméstico, transmissão por cabo
e finalmente televisão aberta. O mercado de vídeo doméstico e de televisão
aberta ou fechada, também vai se
beneficiar do formato UHD (Ultra Alta Definição), com que serão produzidos os
filmes a partir de agora, para criar atração no consumidor.
A indústria de equipamentos
de vídeo doméstico também tem muito a ganhar. Não é de se estranhar a quantidade de
lançamentos de televisores 4K que as feiras de informática desse ano estão
exibindo. Depois da febre dos monitores
digitais, do DVD e do Bluray, é preciso alavancar vendas em declínio. A
rede estatal de televisão aberta japonesa NHK já iniciou os testes para em 2016
iniciar as transmissões de tv em formato 4K. Isso vai gerar uma demanda por
novos equipamentos, tanto profissionais como domésticos. E assim a economia
continua a caminhar.
Percebemos então que a guerra
de pixels não pretende mostrar a superioridade de uma ou outra mídia. Trata-se
mais de uma convergência entre cinema e televisão na busca da qualidade visual
que atrai o espectador. Steve Jobs sabia bem disso e sempre cuidou desse
aspecto em seus produtos. Os monitores Apple, a tela do primeiro iPhone, a tela
retina das novas versões do mesmo aparelho e do iPad II são exemplos disso. O
mundo é multimídia e a comunicação predominantemente visual. A busca por
qualidade de imagem se tornou quase uma obsessão.
E para quem acredita que o
formato HD, que ainda está sendo implantado no sistema de televisão brasileiro,
vai demorar muito tempo para ser substituído, pode cometer um erro igual ao da
Kodak e outros que não acreditaram na velocidade de transformação das novas
tecnologias. Isso porque as dores do parto já passaram. A principal mudança no
cinema e na televisão foi a transição do analógico para o digital.
No cinema essa mudança
aconteceu gradualmente a partir de 2007 com o lançamento das primeiras câmeras
RED ONE de cinema digital. Nos anos seguintes, fabricantes de câmeras de
película como a ARRI e a PANAVISION substituíram seus modelos de película por
equipamentos digitais. Na televisão a mudança já ocorre há quase uma década,
mas não é homogênea. Começou no Japão e Europa e agora está chegando aos países
em desenvolvimento.
Foi uma mudança radical, com
alto grau de investimento, onde os equipamentos analógicos como o formato
Betacam da Sony e os diversos componentes dos sistemas de transmissão tiveram
que ser totalmente substituídos por similares digitais. Essa foi a maior dificuldade. Mas a partir da
digitalização dos canais de televisão aberta e fechada, e da própria produção
de cinema, muitas das novas tecnologias como o formato 4K não dependerão tanto
da troca radical de componentes de produção e exibição. Muitas vezes uma
simples troca de software ou instalação de um hardware adicional resolverá o
problema, tornando mais fácil, rápida e economicamente viável a migração entre
novos formatos.
Falando do marcado
brasileiro, com a recentes mudanças nas leis para as televisões pagas e a provável
mudança das regras da televisão aberta, que deve seguir o mesmo modelo, em
termos de reserva de mercado e regras rígidas para a exibição obrigatória de
conteúdo nacional, é necessário que as produtoras nacionais, principalmente as
pequenas e médias empresas, que receberão tratamento prioritário e
diferenciado pelas novas regras, estejam
aptas a acompanhar essas novas tecnologias e poder fornecer a grande quantidade
de conteúdo nacional de qualidade que o mercado demandará nos próximos anos.
Nesse ponto, todas esbarram
em dificuldades técnicas e financeiras, ocasionadas por anos de desequilíbrio
do mercado produtor e pela falta de apoio e fomento governamental. Em um
mercado que, atualmente, privilegia apenas as grandes empresas e grupos econômicos,
as regras precisam mudar para permitir o crescimento da produção nacional
independente. O exemplo tem que ser dado pelo próprio governo, grande
consumidor e contratador de produtos audiovisuais. A lei de licitações precisa
mudar para evitar distorções e privilégios. Mas isso será tema da continuação
desse artigo.
Grande abraço a todos!
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Marcelo Ruiz
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